domingo, 23 de março de 2014

Em uma delegacia não tão distante...

Porta malas levanta.

Abre-se uma jaula. Ainda não tinha visto essas grades. Parecia um transporte para animais ferozes.

Delegado, sai, olha, fala algumas palavras ao motorista...

Depois de 10 minutos, aproximadamente, saem da delegacia alguns jovens. Chega uma mulher, como se entrando no local. Pára, dá um beijo na testa do menino de verde, que, algemado ao outro, vai pulando até a "manduquinha".

Pé enrolado em uma faixa, inchado e ensanguentado. O menino algemado a ele também entra no camburão.

Aquele espaço de grades abrigou também mais uma pessoa, agora uma menina, que só apareceu na cena dos meus olhos agora.

Antes de fechar a porta, o jornalista se aproxima e dá uma olhada, anota no caderninho. Foi o terceiro que vi, desde que cheguei.

Eles não tinham, aparentemente, mais de 20 anos. O que teriam feito para ganharem destaque na mídia?

Fecha-se a porta, fecham-se as cortinas.

O último personagem fica na platéia. A mesma mulher que deu um beijo da testa, caminha chorando, sozinha, depois do espetáculo onde ninguém se atreve a pedir bis ou bater palma aos "artistas".

Para as mães, o sofrimento pelos filhos. Para os que sofreram a ação que os levou até ali, o ódio, a perda ou o pranto. Para a polícia e para os jornais, mais um número.

Qual história e próximos capítulos de toda essa gente?

Por Juliana Teles 

quinta-feira, 13 de março de 2014

Viver melhor

- Qual o seu medo? 
- O meu medo? Que ele deixe de estudar. Tá sendo muito preocupante, porque você criar um filho e você ver ele sofrendo porque não tem como ir para o colégio... Tá sendo muito desgastante para mim.

Quando cheguei na casa da irmã de Evelin, no bairro Alvorada, encontrei uma mulher abatida, olhos inchados, com a aparência de que havia dormido pouco na noite anterior.

Minutos antes de conhecê-la, dei uma lida rápida na pauta: "vamos mostrar a história de pessoas que ganharam casas no conjunto habitacional Viver Melhor, mas agora vivem o drama de não terem escola para os filhos estudarem próximo de onde vivem".

"Ué, mas pelo menos eles tem um local para morar, isso deveria ser motivo de felicidade" - pensei. Porém, a mulher que me estendia a mão não me passava a impressão de algo bem diferente disso.

Sentamos na varanda e começamos a conversar.

Evelin mora desde o dia primeiro de março em um dos apartamentos do Residencial Viver Melhor. O conjunto habitacional faz parte do Programa Minha Casa Minha Vida, do Governo Federal, e deu moradias a mais de 8 mil famílias. Apesar de todas as críticas existentes sobre o projeto, ele deve ter tirado muita gente de regiões precárias da cidade e - talvez - tenha dado esperança para alguns cidadãos de que um futuro digno é possível.

Quer dizer... Nem tanto.

O futuro foi o foco da minha conversa com Evelin.

Quem já foi ao Viver Melhor reconhece que o local é organizado, tem ruas asfaltadas, largas, casas bonitas, e que o lugar parece mesmo um condomínio. Mas basta poucos minutos para concluir que a ideia de "bairro planejado" ainda está um pouco longe de atingir a sua plenitude. Primeiro: o conjunto fica localizado no bairro Santa Etelvina, bairro bem distante, e nem todas as linhas de ônibus passam por lá. Segundo: faltam outros serviços básicos de um bairro comum.

E é um desses serviços que tem tirado o sono e a paz de Evelin: a dificuldade de acesso a educação. Só existe uma escola no local, que apesar de ter uma ótima estrutura e ser de tempo integral, não consegue atender a todos os moradores. Resultado: muitas crianças e adolescentes precisam ir para outros bairros para continuar estudando.

"E qual a dificuldade nisso?", alguém poderia se perguntar.

- Geralmente é assim: 15 para as 4 da manhã eu e meu filho acordamos. Cinco horas nós saímos, pegamos dois ônibus e por volta das 6 e 30 a gente chega aqui na casa da minha irmã pra tomar café. Depois de deixá-lo, eu vou trabalhar. Geralmente as clientes pedem pra serem atendidas depois do expediente, lá pras 6 horas da tarde. Por isso, depois que eu pego o meu filho, por volta das 4 da tarde, a gente fica na praça do Dom Pedro até dar o horário dos atendimentos. A gente chega em casa quase meia noite. É essa a rotina que eu tô vivendo.

O depoimento explicou a cara de abatida.

Evelin é maquiadora, não tem renda fixa. Gasta cerca de 400 reais por mês só com vale-transporte e não sabe até quando vai conseguir garantir que o filho continue frequentando as aulas.

Durante quase um mês ela disse que pediu, tentou, implorou por uma vaga na única escola do conjunto habitacional Viver Melhor, mas infelizmente não conseguiu.

- Você chega a pensar em desistir?

- Hoje foi um dia que eu pensei muito... É muito humilhante, eu queria muito que todas as pessoas entendessem a situação. Eu sei que há condições de acatar o nosso apelo. São crianças que moram lá, crianças que tem que viver lá!

Hoje era aniversário de Evelin.

"Uma mãe que precisa decidir entre a educação do filho e viver em um local digno, isso é viver melhor?"

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O outro lado:

- A Seduc informou que, por enquanto, esta é a única escola da rede estadual que pode atender a comunidade.

- A Semed disse que em Abril deve entregar duas unidades: uma de Educação Infantil, com capacidade para 500 vagas, e outra de Ensino Fundamental para 900 alunos.

Por Camila Baranda